Aqui é o meu lugar. Aqui será a cidade que
quero.
Quando eu cheguei por aqui eu logo entendi a geometria de teus eixos
e asas, a simetria de teus planos e espaços! Vi em tudo a mais
completa tradução de um sonho feliz de cidade. Ave, Brasília,
cheia de graça, bendito o dia em que pousei numa de tuas asas! Fiz
de tuas asas o meu eixo.
Bendito quem te sonhou; bendito quem disse sim ao sonho; benditos os
dois gênios que deram traços geniais ao sonho; benditos todos os
que te escreveram em concreto. E bendito o teu céu – a maior de
tuas catedrais – que te coroa da aurora ao poente.
Brasília
pousou num altiplano das terras goianas e nele aeroplana monumental.
Brasília nasceu decidida a ficar de frente pro Brasil e de costas
para o mar. Brasília conseguiu a façanha de pôr num quadradinho o
Brasil inteiro – aqui tem “gente de toda cor, tem raça de toda
fé”.
Brasília
tem um quê de esfinge, mas é facilmente decifrável. Noutras
cidades há esquinas, avenidas, bairros – isso que pronto dá
orientação a uma cidade. Aqui temos tesourinhas, (super)quadras,
blocos e outras coordenadas geométricas à primeira vista
indecifráveis. Basta um breve convívio e a esfinge se mostra nítida
e precisa na sua lógica cristalina, sem deixar de guardar em si
mistérios outros. Uma cidade feita de sonho, eixo e asas nasceu
destinada a voar sem tirar os pés do chão, proeza só possível no
âmbito dos sonhos – totalmente possível para ela que nasceu de um
sonho.
Então
repito: aqui é o meu lugar. Aqui será a cidade que quero.
Na cidade que quero, teremos menos carros e
mais bicicletas. Dói na minha pele e na pele do planeta tanto
monóxido de carbono. Na cidade que quero, as bicicletas serão as
estrelas das ruas e avenidas. E como
andarei de bicicleta! E não será
preciso preocupar-se com as ciladas do caminho (leia-se: com os
carros pelo caminho); afinal, teremos redes de ciclovias serpenteando
em todas as direções.
Na cidade que quero, teremos mais verde e menos
concreto. Para fazer companhia aos belos palácios de Niemeyer,
cultivaremos aqui as mais belas catedrais que arquiteto nenhum jamais
conseguirá imitar. São elas a copaíba, o murici, o jequitibá, o
buriti, o jatobá, o ipê, o jacarandá etc...
Na cidade que quero, teremos menos pressa. Se
houver menos pressa, teremos, por certo, menos filas, menos trânsito,
menos estresse...
Na cidade que quero, teremos mais
solidariedade. A máxima que valerá é: “Eu preciso de todos e
todos precisam de mim”. E como serão bem-vindas as palavras de um
sábio solidário: “Não precisamos de muita coisa... Mas
precisamos muito uns dos outros!”
Na cidade que quero, teremos mais livros e
menos armas. Faremos do livro a mais poderosa das armas. Depois
disso, armas para quê?
Na cidade que quero, teremos mais educação.
Ensinar será a arte capital. Ensinar, diz a etimologia, é pôr nos
homens uma insígnia, dar-lhes um sinal distintivo. E a educação
será a mais nobre das insígnias. E comungaremos todos com o que diz
Guimarães Rosa: “Mestre no quem sempre ensina, mas quem de repente
aprende”.
Para a cidade que quero, precisaremos de um
batalhão de cidadãos. Então, avante cidadãos! É chegada a hora
de, as armas e os barões
assinalados, lançarmo-nos em
perigos e guerras esforçados
na tentativa de edificar um novo mundo. Afinal, depende
de nós se este mundo ainda tem jeito,
apesar do que temos feito.
Ave, Brasília, cheia de graça!
4 comentários:
Bonito texto. E louvável projeto.
As cidades são o local onde vivemos. Como tal, devem ser agradáveis para viver, porque humanizadas.
Uma ode à nossa Brasília. Essa incompreendida senhora de cor cinza que deixa as outras cores, e os melhores tons, para os que quiserem mergulhar na sua alma e conhecê-la intimamente. Quanto amor!
Obrigado pelo comentário, Joaquim. E sobre transformar em Pasárgada o lugar onde se vive, me lembro desta frase: "Se você pode sonhar, você pode fazer" (Walt Disney).
Abs,
Tarlei
Querida Cinthia,
sim, tenho um caso de amor com Brasília. Gosto de dizer que essa cidade me deu eixo e asas.
Obrigado por sempre desfolhar palavras gentis na direção desse escrevente desarvorado que sou eu.
Abs,
Tarlei
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