O
seu sorriso era uma ode à vida.
Quem
a via nunca suspeitaria das dores que já lhe tinham atravessado o peito, a filha
adolescente desfigurada e morta por um acidente estúpido, o marido que não
tinha aguentado o desgosto e tinha fugido para parte incerta deixando-a solitariamente
desvastada pela mágoa e culpa, as pequenas e sempre insatisfeitas necessidades
diárias de compreensão e a constante angústia de não ter sido capaz de proteger
quem estava a seu cargo...
Nao,
quem a conhecia e nada sabia do seu passado limitava-se a ficar alegre na sua
presença e, mais tarde, comentar descuidadamente como era contagiantemente alegre,
aquela velhota.
A
tudo sempre fizera frente com um sorriso.Tinha a teoria arreigada que mais
valia rir que chorar e, já que não possuia alegria para si própria, podia pelo
menos fazer os outros ter alguma.
Sorria.
E por alguma magia desconhecida o seu sorriso, tão artificial como uma perna de
pau, era igualmente eficaz – as pessoas sentiam-se quentes e acolhidas naquele
sorriso, libertavam-se das suas preocupações por um momento, sorriam de volta
e, por momentos, tudo estava certo no lugar certo, não havia dúvidas, medo ou
culpa nas pessoas que a rodeavam. Uma alegria serena nascia por si própria
naquele ambiente particular e toda a gente se sentia bem.
Menos
ela, claro. Mas ela nunca se sentia bem, nunca era livre, por isso não tinha
importância – aquilo que nunca é diferente não tem qualquer interesse.
Toda
a gente gostava dela. Um gostar sereno como o seu sorriso, alicerçado nas
lembranças dos momentos sempre alegres e protegido do esquecimento pela
presença constante da suave companhia; ninguém vivo se lembrava de lhe ver um
rosto sério ou uma expressão fechada.
Por isso
mesmo, nunca ninguém se interrogava se seria feliz, se teria as suas
necessidades satisfeitas, se precisaria de algum carinho... Que diabo, quem
sorri um sorriso assim não precisa de nada, tem para si e para dar a quem
passa!
Quando
se sentiu realmente mal, apanhou a camioneta para uma cidade distante; não
suportava ser, mais uma vez, incapaz de proteger contra o mal.
Saiu
a meio de percurso, perdeu deliberadamente a carreira e, muito cansada,
afastou-se lentamente a pé pela berma da estrada.
O
relatório policial referia como estranha a expressão do rosto, “sorrindo como
se cumprimentasse alguém”, embora não houvesse qualquer vestígio de terceiros.
Mas
o médico legista não conseguiu evitar um pequeno sorriso quando se virou para o
cadáver e tratou o corpo morto com um respeito inesperado.
Mais
uma vez, a velhota de espírito indomável vencia a adversidade com um sorriso.
1 comentários:
Atitude positiva até para lá do fim. Ok!
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