Altas horas night adentro. Átila dança no meio da pista com recém conhecida Paloma,
que levanta os braços, joga a cabeça pra lá e pra cá, seus cabelos dourados esvoaçam,
formando esculturas estroboscópias que piscam ensandecidas. Paloma atraca em Átila
de costas. Sobem, descem, descem, sobem, esfregam-se glúteos, dorsos e lombares.
Braços tentam se encontrar em reverso, quase se tangem produzindo centelhas.
O DJ liga o turbo. Paloma gira de repente, Átila acusa o golpe, que delícia mais doida,
tocam-se mãos ao alto, ela roça seu corpo contra o dele, ele oferece a cara máscula,
ela aceita, caminha com os lábios pelo rosto grego do homem forte e sarado, mordisca
um lóbulo da orelha direita, desce a ponta da língua em riste percorrendo o contorno de
uma barba rente e bem feita. O baticum contagia. Os narizes colidem levemente, ensaiam
um beijo, que desacontece: ela afasta a boca, sorri carrasca, olhos sádicos contra olhos
mendigos, ela finge que vai mas não vai, faz tremer o epicentro do rapaz, e cai na dança
novamente, deixando Átila um cachorro curvado que copula o ar em plena pista de luzes
lisérgicas. O som alto rege os instintos. Tudo cresce no corpo e na alma dos dois, até que
Paloma sonsa volta à carga e passeia suas mãos bem feitas pelas costas de Átila, como
se trouxesse para si a propriedade que acabara de tomar posse. Ele retribui o carinho
com mesmo passeio pelas suas coxas, quadris e polpas, verso e frente, ousando levantar
o vestido justo e imiscuindo os dedos pelos entrepernas aveludado, que se entrega úmido,
morno e receptivo. Dane-se se alguém parou para ver. O que cabe neste momento é um
beijo explosivo, devido, entranhado. Nada os detém. Paloma dedilha a perna de Átila
e encontra algo volumoso abaixo da cintura, caindo enviesado e rijo pela esquerda.
E esfrega a mão excitada, olhos fechados, bocas com bocas, até que de repente,
para e se afasta no meio da pista. "Que é isso, meu tigre?" Ele a traz para mais perto,
pega pelos braços e cochicha no seu ouvido. "Isso se chama tesão." Ela segue passando
a mão no volume. "Tesão que me dá tesão." Ele sorri maroto. "Você gosta disso?
Tem medo não?" Ela se derrete: "Não. Adoro. Isso me enlouquece."
Ruazinha bucólica, apartamento charmoso de Paloma. Adentra o casal sôfrego e
agarrado, uma matéria só, átomos em fusão. Ele tira a camisa, ela tira o vestido por
cima, fica só de calcinha, já que o sutiã foi junto. O minueto frenético ficou na boate.
O som imaginário agora é um "Je t'aime, moi nos plus", calmo e pulsante, que dita uma
câmera lenta eterna de gestos e tremores. Ela se ajoelha de frente para ele, abre o cinto
e vê o que quer ver. Na cintura, entre o jeans e a cueca Calvin Klein, emerge uma
pistola Glock 9mm preta e provocante. Paloma geme. Segura no cano
como se fosse uma guloseima. Alisa, alisa, fecha os olhos, leva aos lábios e chupa.
"Tesão, tesão, tesão." Átila pega a arma e afasta de sua boca. "Tem coisa melhor para
você, isso é muito perigoso." Ela treme. "Quero tudo... duas armas... que homem é esse,
meu deus?" Os dois se jogam no sofá. Átila passeia a pistola pelos meandros secretos do
corpo de Paloma. Rasga a calcinha com a alça de mira, ela morde os lábios. Ele se coloca
entre suas pernas receptivas, que bailam em movimentos ondulantes, sincronizados, crescentes,
vigorosos, meigos e ferozes ao mesmo tempo. Ela goza com a pistola no rosto, passando
a língua na coronha, beijando Átila e dando graças aos deuses por acoitar um macho tão
forte, de calibre duplo e sensações múltiplas.
Nus na cama, pausa para repouso. Ela molenga refestelada sobre o peitoral atlético
do parceiro, que aponta a pistola para o alto e admira o brinquedo: "Glock 9mm automática
de repetição. Se quiser tem silenciador." Ela é debochada: "Vai me matar sem ninguém ouvir?"
Ele é fofo: "Que é isso, gata? Isso aqui nunca matou ninguém, só defesa. Às vezes, um
sustinho em quem se mete a besta comigo. No trânsito, na night, na vizinhança." Ela é
curiosa: "Você tem porte de arma?" Ele explica: "É do meu pai. Quando saio, ele me
empresta. Ninguém tira onda pra cima de mim." Ela monta súbita sobre ele. Vai cavalgar.
E ronrona gostoso: "Você disse que é Glock 9mm de repetição... então, tá na hora de repetir."
Fim do intervalo. Os dois riem, se grudam e partem para o segundo, terceiro, quarto atos.
Átila deixa o apartamento sozinho antes do sol raiar. Sonolento, exaurido, cheirando
à Paloma entre os dedos, caminha levitando em direção ao seu Cherokee. Aperta o
controle da chave do jipão e não se dá conta que tem companhia. "Perdeu, playboy!"
"Entra no banco de trás sem chilique." "Mas antes, vamos apalpar esse corpinho macho."
Três vozes sinistras. Três armas apontadas a uma mesma cabeça. Três rostos escondidos
sob bonés e óculos escuros em pleno breu. Átila petrificado com as mãos sobre o carro
se deixa revistar. Um dos bandidos tira tudo dos seus bolsos: carteira, celular, dinheiro,
chave e um surpreendente e maravilhoso bônus. "Olha isso aqui, mano!"." Uma Glock
novinha, chefia!" Átila leva um cachação. "Você é policial ou é otário mesmo?"
Átila nada diz. "Só pode ser federal, mano. Filhinho de papai não anda com uma dessas."
A ruazinha bucólica deserta e a escuridão favorecem à movimentação relâmpago. Átila
apaga com um cruzado de direita e duas coronhadas. É jogado no porta malas,
dois dos bandidos montam com os joelhos sobre ele. O terceiro zarpa com o carro
pelas ruas fantasmas. Sem serem incomodados pelas patrulhas indolentes, chegam,
enfim, a um descampado baldio. Nem um grilo, nem um sapo, nem um barulho de vento.
"Tá vivo, mano?" "Tá respirando, chefia." No chão, entre duas árvores secas, Átila é
despido de bruços, com solenidade e requinte. A camisa Armani amarra seus braços
pelas costas. O jeans e o cintos Diesel prendem seu pés, um em cada tronco, fazendo
da vítima um Y em decúbito dorsal. A cueca Calvin Klein é embolada garganta a dentro,
vai que ele acorda e grita. O chefe manda. "Traz o kit felicidade." Átila ameaça gemer.
Tenta levantar a cabeça, abre uma fresta de olhar e vê o mundo invertido. O chefe é
compreensivo. "Tá vivo, federal? Então presta atenção. Isso aqui é um negócio.
Você trocou sua Glock 9mm das Forças Armadas por esta arma aqui, ó, ó, olha o
que está escrito: Manufatura de Brinquedos Estrela." Um comparsa é piedoso:
"Repara só, fedegoso, raspamos a alça de mira para não machucar você."
O outro comparsa é benevolente: "A gente é legal com policial." O chefe prossegue:
"E vamos botar essa camisinha lubrificada com KY no cano também
pra não machucar você. Não vai doer nada, são só 12 centímetros até o tambor."
A providência divina faz Átila desmaiar.
O sol já está a pino, a brisa sopra quente, as varejeiras rodeiam assanhadas e
os urubus revoam em tocaia, quando Átila começa recobrar os sentidos.
Confuso, atordoado, sedento, imobilizado, com a cara grega na terra batida,
gosto de sangue seco na boca, dormente, doído, ardido. Ouve um burburinho
de vozes curiosas, histéricas, apavoradas, perplexas em sua volta. Tenta gritar
por água e socorro, mas só consegue um choro fino e baixinho.
Pensa em Paloma. Pensa que ela nunca pode saber disso.
segunda-feira, 20 de agosto de 2012
Um homem forte
por José Guilherme Vereza
1 comentário
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De homem forte a "bolinho de carne", rápido. O rapazinho não saiu impunemente da noite prazerosa. Aliás, noite descrita maravilhosamente pelo escritor.
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