para Dimitri
meu filho
desejo, meu amor, que não sejas poeta
é uma vida meio sofrida
sentimental demais
um tédio sem tamanho porque
se vê e se vê muito
o tamanho que são as coisas
e só o que se pode fazer
meu amor
sendo poeta
é escrever
de um jeito que só as palavras
não dizem
precisam também elas serem vistas
por quem vê nelas o tamanho
que têm
as palavras têm tamanhos estranhos
e
se rasas acabam afundando
uma hora
por acaso
e se andam muito à beira
às vezes precipitam-se
e é um horror de se ver
não sejas poeta
desejo também que não sejas livre
as liberdades são tão duras
com os livres
exigem a todo instante que se libertem
e se façam ver livres
e fazem que digam a todos
(muito provavelmente com palavras que poetas gostam muito)
"vejam
vejam
sou livre"
agarra-te
meu pequeno
a algumas coisas
ou menos
a uma só
e segue
sem te livrar dela
sem que ela se liberte
de ti
(não há bem como prever se isso funciona ou não, mas temos que tentar, não é?)
uma pena, meu bebê,
uma pena não poderes te agarrar
à poesia
vê só que eu tentei
e essa diaba me correu
a vida toda
e me fez correr tanto
me tirou de todo lugar
mas não me deixou ser
nem dela livre
nem pude ficar com ela
desejo ainda que não queiras muito
queiras sempre
(há sempre que querer)
mas sinta
isso de um jeito tão intenso
tão profundo
tão de um fazer-se em
sei lá
mil
e acabarás numa derrota tamanha
por ver-se sem esse querer
que haverás de, aí sim,
não querer mais nada
e isso eu, para ti, não quero
queira, meu presente do destino,
queira
mas queira só
queira pelo querer
queira e desfrute o querer
talvez até com alguma
frugalidade
(é uma ciência, eu sei, e sinto muito por isso, mas hás de ter de lidar com tal ciência, e neste caso desejo-te é sorte)
desejo ainda, criança, que existas um dia
que existas como tu
não como uma continuação
não um mais novo
de dois mais velhos
não uma mistura
não um resultado
exista
meu amor,
exista
dá-te o prazer de existir
de fazer-se neste mundo
advirto-lhe de que não é dos melhores
mas hás de encontrá-lo de uma forma ou de outra
e hás de moldá-lo
fiz um molde de ti em mim
fez um também tua mãe
fizemos ainda um do mundo
e quem é que diz que há
como as coisas saírem
como são para ser?
sei
(e desejo que o saibas tu também, um dia)
que és quem és
sem molde nenhum
[Poema escrito em sete de julho de 2011, publicado originalmente em http://dasartesimpuras.blogspot.com.br/2011/07/testamento.html]
6 comentários:
Isso é muito bonito. Realmente bonito. É de um bonito não pra se comentar ou desrinchar. É beleza pra se internalizar e sentir.
sabe que eu faço em vez do comentário que seu poema nem tem o como o faça, sabe? eu lhe envio o tal abraço pela criança que lhe nasceu, e desejo que ele possa sempre ver em si essa criança grande que esperneia nisso de escrever e ser poeta
abração pai Vol!
Que posso dizer? Que li, que o poeta, o escritor, precisa de saber que é lido. Mais não quero comentar que a ambiência parece-me tão íntima e sentida e sofrida que um pudor de me sentir a espreitar as emoções do próximo me trava de dizer algo.
Antes de tudo, Volmar, parabéns pela chegada do Dimitri!
Depois, ele descobrirá por si que ser poeta, ou livre, ou qualquer outra coisa, não é exatamente uma escolha, não é consciente, não é voluntário.
Simplesmente somos lançados nesta vida insana, sem manual e sem regras, sem constelações ou mapas para nos guiar, cada qual cometendo seus próprios erros e acertos, esquivando-nos dos inimigos, tropeçando nos percalços do caminho, na inexplicável esperança que tudo acabe bem.
A escrita, e também a liberdade, são maldições, mas maldição maior é não vivê-las se elas forem o seu destino.
Abraços.
Gracias a todos, queridos. Bonito mesmo é o meu guri.
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