Os muitos adjetivos de Ubaldo








(por Ramon Barbosa Franco) 

Baiano. 
Apenas este adjetivo já representa uma qualidade primordial deste escritor que em 2008 foi reconhecido com o Prêmio Camões, considerado o principal título literário para escritores de língua portuguesa. O Camões contemplou a trajetória literária de um membro da Academia Brasileira de Letras, autor de obras valiosas e detentor de uma risada contagiante: João Ubaldo Ribeiro. Nascido em 1941 na Bahia, Ubaldo cresceu em Sergipe e tem na sua formação de escritor o jornalismo e o direito, além da convivência efervescente com gênios da cultura brasileira e baiana. Dois nomes sintetizam suas influências: o cineasta Glauber Rocha (diretor de ‘Deus e Diabo na Terra do Sol’ e ‘Terra em Transe’) e o romancista Jorge Amado (autor de ‘Capitães da Areia’ e ‘Gabriela, cravo e canela’). Autor de obras valiosas, como ‘Viva o Povo Brasileiro’, ‘O sorriso do lagarto’ e ‘Sargento Getúlio’, João Ubaldo Ribeiro tem ampla produção jornalística, com uma presença ativa na crônica brasileira. Intelectual irreverente, sempre com inteligência e bom humor transmite seus recados aos leitores e população (além de jornais brasileiros, Ubaldo é colaborador de periódicos da Alemanha, Portugal e Inglaterra). Da safra literária deste baiano altamente irônico, a que mais me agrada é ‘Sargento Getúlio’. Escrito de um jeito que parece que foi feito tudo de uma só vez, o romance, publicado em 1971 – e que, anos depois, em 1983, foi adaptado ao cinema com exímia interpretação de Lima Duarte no papel-título – lhe rendeu o Prêmio Jabuti de autor revelação em 1972. O desencadeamento dos fatos narrados, a escolta de um preso político pelo ‘famigerado’ sargento Getúlio, tem o embalo deste integrante da força pública nordestina. Em vários trechos deste monólogo o leitor terá a certeza de que Getúlio Santos Bezerra é a encarnação da besta ou do Cão, tamanha sua voracidade e agressividade, sempre recheada por prazer sádico em ferir. Ao ter contato com esta obra-prima de Ubaldo, me ocorreu, pelo tom narrativo, uma associação mista entre Guimarães Rosa, no modo como compôs ‘Grande Sertão: Veredas’ e seu personagem-narrador Riobaldo, e Jack Kerouac, o norte-americano precursor da geração beatnik, que em ‘On the road’ (livro traduzido para o Brasil pelo historiador Eduardo Bueno e que recebeu o título de ‘Pé na estrada’) escreveu tudo de uma só vez, inclusive colando as folhas de sulfite que saiam de sua máquina de escrever durante a produção do original do livro, criando, assim, um verdadeiro pergaminho. Outra semelhança com o mineiro Guimarães é o tom regionalista, com expressões de seus personagens: ditos próprios de um território, tanto geográfico, quanto mítico. É no jeito de falar e de contar de Getúlio que o leitor tem noção do que se passa em todo o livro. A sequência contínua, com um fôlego intenso página a página, sem perder o raciocínio e a conduta, ao meu ver, garante sintonia entre Kerouac e ‘Sargento Getúlio’. Ubaldo, acima de tudo, além de ser um dos grandes nomes da literatura do idioma português do Século XX, é uma personalidade carismática e alegre. Choro de rir ao lembrar ao menos dois depoimentos dele onde a palavra ‘flatulência’ aparece como personagem central. Em uma delas está a presença marcante de Glauber, outro gênio indomável das artes brasileiras. A segunda foi a forma como ele adjetivou a série de filmes ‘Guerra nas Estrelas’, produzida por George Lucas, ao tentar convencer seu filho a ler os épicos gregos, como ‘Ilíada’, de Homero. “Meu filho, ‘Star Wars’ diante de ‘Ilíada’ é uma flatulência da indústria cultural. Vai ler Homero”, respondeu ao filho.

Comentários

  1. Que delícia ler isso! Eu queria ter um botão "Curtir", aqui, como no Facebook, para apertar com força!

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