(Sou eu o protótipo de Papai Noel)
Henry Alfred Bugalho
Alguns dias atrás, eu e minha esposa reviramos algumas fotos minhas de infância: do meu batizado, eu com meu pai de quem mal me lembro, eu e minha mãe ou com amigos, eu-bebê e eu-adolescente.
— Parece que você era feliz — ela comentou, lá pelas tantas.
Pensei um pouco, fitando a mim mesmo tantos anos mais novo, então respondi:
— Todos parecem felizes nas fotos.
Eu não era uma criança triste, disto estou certo. Não havia motivos para isto, não sei nem se eu tinha o direito de ser infeliz. Dramas familiares todos carregamos, mas eu não era triste. Só não sei dizer se era feliz, provavelmente não.
Quando criança e rapazola, eu era do tipo melancólico e introvertido. Tantas dúvidas me angustiavam. Existe Deus? Existe alma? A morte é o fim? Reencarnamos ou vamos para o Céu? Por que existe sofrimento no mundo?
Eram muitas perguntas que me afligiam profundamente. Eu não possuía respostas para elas e, nos incontáveis livros que li, também não as encontrei. Aliás, até hoje não sei respondê-las, mas já não me inquietam mais. Aprendi talvez a aceitar o mundo como a grande incógnita que é, ou talvez tenha sido melhor negar tudo e tocar a vida adiante sem mais estes problemas sobre as costas.
Lembro-me de temer terrivelmente o diabo. Se Deus observava tudo, e o diabo era o grande inimigo de Deus, então ele também deveria observar tudo. Estaria ele embaixo da minha cama, só à espreita?
E eu era tomado por pavor irracional, rezando pais-nossos e ave-marias à exaustão, até conseguir dormir.
Eu era uma criança solitária. Havia amigos, alguns para a vida toda, mas o meu universo interior sempre foi muito mais real para mim. As minhas brincadeiras eram povoadas por uma constelação de seres imaginários, que me divertiam muito mais do que qualquer criatura de carne e osso. Eu criava mundos e personagens, entretido com enciclopédias e seus verbetes de mitologias e heróis mortos, ou com os mocinhos destemidos do cinema e dos gibis.
Já adolescente, assolava-me a certeza que jamais encontraria uma mulher que me entendesse, que aceitasse este meu universo íntimo e particular, esta minha necessidade de ficar quieto ou falar pouco, mas havia me equivocado.
Ainda acredito que a felicidade está dentro de nós, que nada exterior possa causá-la. Alguém é feliz naturalmente, ou não é. Todavia, descobri que um grande amor pode ser uma das maiores alegrias na vida de uma pessoa. É uma pena que sejam tão poucos os agraciados nesta loteria!
Outro dia, eu e minha esposa revimos algumas fotos nossas destes quase doze anos juntos.
Qualquer um que as visse poderia facilmente comentar:
— Parece que vocês eram felizes.
— Todos são felizes nas fotos — seria a resposta esperada, pois esta é quase uma obrigação diante de uma câmera. Ninguém pode estar sério que alguém já grita, "Cadê o sorriso?". Em algumas máquinas há até uma função que detecta o sorriso e só fotografa se todos estiverem mostrando os dentes, mesmo que de falsa felicidade.
Felicidade, genuína ou artificial, é o que devemos fatalmente ostentar num retrato.
Mas eu e minha esposa fomos e somos felizes, além dos sorrisos ensaiados, além do tempo que passa e desgasta tudo na vida.
Somos e fomos felizes, e a nossa felicidade, a mesma do dia em que nos conhecemos, foi congelada em nós como numa foto esmaecida de outrora.
Henry Alfred Bugalho
Formado em Filosofia pela UFPR, com ênfase em Estética. Especialista em Literatura e História. Autor dos romances “O Canto do Peregrino” (Editora Com-Arte/USP), "O Covil dos Inocentes", "O Rei dos Judeus", da novela "O Homem Pós-Histórico", e de duas coletâneas de contos. Editor da Revista SAMIZDAT e fundador da Oficina Editora. Autor do livro best-selling “Guia Nova York para Mãos-de-Vaca”, cidade na qual morou por 4 anos. Está baseado, atualmente, em Buenos Aires, com sua esposa Denise e Bia, sua cachorrinha.
http://www.henrybugalho.com/
1 comentários:
Visitando os álbuns de fotos de algumas pessoas do Orkut fica-se com a impressão que vendo uma foto se viram todas. O sorriso generoso está sempre presente, como uma máscara que se colou ao rosto. Aí, por vezes, começamos a tentar descortinar o esgar de falsa alegria por detrás do sorriso.
Nunca peço pose numa foto; prefiro retratar a história do momento, como na sua primeira foto.
Quando faço fotos de grupo, raramente espero que o grupo se componha. Então, surgem algumas fotos que me parece retratarem as pessoas de maneira bem mais genuína.
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