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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Tantos livros... para quê?

Today is World Book Day, apparently

Os livros me acompanharam durante toda a minha vida. Comprei sozinho meu primeiro livro quando tinha seis anos de idade, inclusive, na feira de livro da minha escola, menti que era pobre para ganhar 50% de desconto.
Toda a minha infância passei cercado de livros: minha maior diversão era abrir os vários fascículos da enciclopédia de minha mãe e ler os verbetes em referência cruzada, aliás, numa época em que eu nem tinha ideia do que era referência cruzada.
Comecei a escrever meu primeiro romance aos nove anos, e creio que, na época, devo ter ficado muito satisfeito com o meu livro de uma página só.
Durante alguns anos, eu passei horas e horas diárias dentro da biblioteca perto de casa, pesquisando, lendo tudo que eu pudesse, aprendendo, tentando me tornar o escritor que hoje sou.
Trabalhei em livraria, escrevi uma dúzia de livros e colecionei algumas centenas de exemplares a ponto de minha esposa me obrigar, toda vez que eu comprasse um livro novo, a botar um velho fora. Uma tarefa torturante, eu lhe asseguro, como seu eu tivesse de cortar uma parte de mim fora e jogá-la pela janela no meio da rua para ser atropelada pelos táxis.
Quando me mudei de Nova York de volta para a América do Sul, enviei uma caixa por navio com apenas o crème de la crème, primeiras edições, livros raros, livros que me inspiravam, que me atormentavam, dos quais eu necessitava.
Desapareceram!
Por alguma ironia do destino, todos os meus livros acumulados por anos sumiram!
Restaram-me apenas três, um de Borges comprado em Buenos Aires anos antes, a primeira edição de "O Nome da Rosa" e um de Fernando Pessoa. São os três livros que tenho hoje. Todos os demais devem estar apodrecendo em algum porto ao redor do mundo.

Os livros fazem parte da minha vida, por isto você achará estranho quando eu disser que odeio ir a livrarias. Tenho pavor!
É uma relação totalmente oposta da que tenho com bibliotecas. Nas bibliotecas, sinto-me em casa em meio àqueles livros antigos, sujos, amarelados, com carimbos em suas páginas soltando. São livros que resistiram à prova do tempo, bons ou ruins, mas que sobreviveram às gerações. Homens e mulheres viveram e morreram, e aqueles livros permaneceram e permanecerão lá.

Já nas livrarias, temos a hipérbole do excesso, do inútil.
Há livros bons?
Sem dúvida!
Mas são tantos os títulos, tantos os autores, tantas as editoras publicando tantos títulos de tantos autores, que mal dá para separar o joio do trigo. Você é capaz de fazê-lo?
Nem eu...

Nem sei para onde olhar quando entro numa livraria, oprimido por uma quantidade inabarcável de novos livros todos os anos. Só nos EUA num único ano se publicou mais de um milhão de novos títulos, e para quem? Quem conseguirá ler tantos livros?

Simplesmente não existe a mesma quantidade de leitores que o número de livros existentes. Cada vez que entro numa livraria, tenho a certeza que nunca verei meu nome na capa de um daqueles livros. E mesmo se chegar a ver, que diferença fará? Um livro para quem? Um livro para quê?

Aos nove anos, fiquei feliz da vida de ter escrito o meu livro de uma página somente. Hoje, também ficaria feliz se todos os autores repetissem esta minha façanha de meninice.
Um milhão de livros de uma página só publicados todos os anos. Ainda é bastante, afinal de contas, são um milhão de páginas para serem lidas. Teríamos de ler 2739,72 páginas ao dia durante um ano inteiro para lê-las todas, mas, mesmo assim, já nos pouparia do absurdo dos absurdos de vagarmos por entre tantos livros suplicando por atenção.

O subtítulo de "Assim Falava Zaratustra" de Nietzsche é "um livro para todos e para ninguém". Quão sábio havia sido este bigodudo alemão!
Como ele poderia ter antevisto que hoje todos nós escreveríamos nossos Zaratustras, livros para todos e, ao mesmo tempo, inevitável e fatalmente para ninguém?

(publicado originalmente em http://blogdoescritor.oficinaeditora.com/2011/12/tantos-livros-para-que.html)

Henry Alfred Bugalho
Formado em Filosofia pela UFPR, com ênfase em Estética. Especialista em Literatura e História. Autor dos romances “O Canto do Peregrino” (Editora Com-Arte/USP), "O Covil dos Inocentes", "O Rei dos Judeus", da novela "O Homem Pós-Histórico", e de duas coletâneas de contos. Editor da Revista SAMIZDAT e fundador da Oficina Editora. Autor do livro best-selling “Guia Nova York para Mãos-de-Vaca”, cidade na qual morou por 4 anos. Está baseado, atualmente, em Buenos Aires, com sua esposa Denise e Bia, sua cachorrinha.
http://www.henrybugalho.com/

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4 comentários:

Por outro lado, uma grande biblioteca é um universo fantástico habitado por seres inesperados. Cada sala é um mundo, cada estante é um continente, cada prateleira que descobrimos revela-nos novos vales habitados, às vezes pelo que nos parecem monstros mas que se revelam sempre criaturas simpáticas com cujo contacto nos sentimos reconfortados e enriquecidos na nossa condição de homens.

Já eu adoro livrarias, embora às vezes essa mesma angústia me assalte. Como dizia um professor meu, um leitor vive atormentado por uma dívida externa crescente, que nunca será paga, tamanha a quantidade de obras por ler (e isso só falando das boas).

Isto mesmo, Joaquim... Este é um dos fascínios das bibliotecas, do que pode ser revelado.

Sério, Maristela? Para ser sincero, gosto de cheiro de livro velho. Livraria para mim, só se for sebo. Gosto dos livros com história (história particular do livro, entenda-se), com dedicatórias para outras pessoas, mas não pode estar sublinhado nem rasurado... :D

eu adoro bibliotecas. além dos argumentos do henry, é também uma coisa de sentimento: me sinto à vontade e ponto.

uma pena que a rinite me restringe a frequência...

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