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quinta-feira, 13 de maio de 2010

José Guilherme Vereza

Zé Batista era um centro-avante guerreiro.
Acreditava piamente que seu destino estava nas mãos
divinas e tinha uma fé inabalável de que seus gols
não vinham de seus pés, mas dos desígnios lá de cima.

Entrava em campo, três vezes sinal da cruz.
Perdia gols, benzia-se, beijava medalhinha.
Fazia gols, apontava para os céus de olhos fechados,
ajoelhava e levantava a camisa escrita:
Não fui eu, foi Ele.

Uma tarde, final do campeonato,
o jogo matava a torcida num zero a zero eletrizante.
Foram nove gols absurdamente perdidos por Zé Batista.
Bolas na trave, chutes a gol aberto, pênalti para fora,
goleiro defendendo com a ponta dos dedos,
bico da chuteira, sustos à queima roupa.

Zé Batista corria de um lado para o outro na área,
estonteando os zagueiros, procurando a melhor colocação.
Enquanto isso, rezava ofegante e baixinho.

Nos seus lábios, Pai Nossos, Aves Marias, Salves Rainhas.
É agora, meu Deus, é agora, meus santos,
tem que ser agora, minhas nossas.

O tempo vai passando, a paciência se esgotando.
Paciência da torcida, do técnico, do próprio Ze Batista,
que jura, por um misero golzinho providencial, voltar a ser
o coroinha papa hóstia,que nunca deveria ter deixado de ser.

E tome de promessas e gols perdidos. Promete celibato, subir
escadarias de joelhos, jejum de uma semana, churrasco nunca mais.
E nada do jogo sair do zero a zero desclassificante.

Um minuto de desconto. Última volta do ponteiro.
Bola levantada na área, Zé Batista sobe mais que o líbero,
a bola bate na sua nuca, goleiro vencido, toca na trave,
o zagueiro tira em cima da linha,
volta na canela do Zé, que chuta por instinto, meio torto,
meio mascado, o goleiro escorrega e sai catando a maldita,
que entra no gol como uma galinha tonta e fugidia.

Zé Batista em transe salta mais que o próprio corpo,
braços e pernas no ar fazendo um xis.
E desce já de joelhos, olhos cerrados,
dedos apontando para os céus pelo milagre alcançado.
E solta a voz:

- PUTA QUE O PARIU, SENHOR!

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José Guilherme Vereza
Carioca, botafoguense, pai de 4 filhos. Redator, publicitário, professor, roteirista, escritor, diretor de criação. Mais de mil comercias para TV e cinema. Uma peça de teatro: “Uma carta de adeus”. Um conto premiado: “Relações Postais”. Um livro publicado “30 segundos – Contos Expressos”. Mais de 3 anos na Samizdat. Sempre à espreita da vida, consigo modesta e pretensiosamente transformar em ficção tudo que vejo. Ou acho que vejo. Ou que gostaria de ver. Ou que imagino que vejo. Ou que nem vejo. Passou pelos meus radares, conto, distorço, maldigo, faço e aconteço. Palavras são para isso. Para se fingir viver de tudo e de verdade.
todo dia 20


2 comentários:

Como diz aquela piada do padre com o cara sem gasolina no deserto que atendeu aos apelos de fé suscitados pelo padre e mijou no tanque fazendo o carro funcionar. O padre, depois que o carro arrancou, incrédulo, disse essa frase: "vai ter fé assim na PQP! Ótima crôncia. Abraços. Paz e bem.

Esta tem muita graça, muito obrigado, curti. António

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