José Guilherme Vereza
Zé Batista era um centro-avante guerreiro.
Acreditava piamente que seu destino estava nas mãos
divinas e tinha uma fé inabalável de que seus gols
não vinham de seus pés, mas dos desígnios lá de cima.
Entrava em campo, três vezes sinal da cruz.
Perdia gols, benzia-se, beijava medalhinha.
Fazia gols, apontava para os céus de olhos fechados,
ajoelhava e levantava a camisa escrita:
Não fui eu, foi Ele.
Uma tarde, final do campeonato,
o jogo matava a torcida num zero a zero eletrizante.
Foram nove gols absurdamente perdidos por Zé Batista.
Bolas na trave, chutes a gol aberto, pênalti para fora,
goleiro defendendo com a ponta dos dedos,
bico da chuteira, sustos à queima roupa.
Zé Batista corria de um lado para o outro na área,
estonteando os zagueiros, procurando a melhor colocação.
Enquanto isso, rezava ofegante e baixinho.
Nos seus lábios, Pai Nossos, Aves Marias, Salves Rainhas.
É agora, meu Deus, é agora, meus santos,
tem que ser agora, minhas nossas.
O tempo vai passando, a paciência se esgotando.
Paciência da torcida, do técnico, do próprio Ze Batista,
que jura, por um misero golzinho providencial, voltar a ser
o coroinha papa hóstia,que nunca deveria ter deixado de ser.
E tome de promessas e gols perdidos. Promete celibato, subir
escadarias de joelhos, jejum de uma semana, churrasco nunca mais.
E nada do jogo sair do zero a zero desclassificante.
Um minuto de desconto. Última volta do ponteiro.
Bola levantada na área, Zé Batista sobe mais que o líbero,
a bola bate na sua nuca, goleiro vencido, toca na trave,
o zagueiro tira em cima da linha,
volta na canela do Zé, que chuta por instinto, meio torto,
meio mascado, o goleiro escorrega e sai catando a maldita,
que entra no gol como uma galinha tonta e fugidia.
Zé Batista em transe salta mais que o próprio corpo,
braços e pernas no ar fazendo um xis.
E desce já de joelhos, olhos cerrados,
dedos apontando para os céus pelo milagre alcançado.
E solta a voz:
- PUTA QUE O PARIU, SENHOR!
quinta-feira, 13 de maio de 2010
Fé
por José Guilherme Vereza
2 Comentários
2 comentários:
Como diz aquela piada do padre com o cara sem gasolina no deserto que atendeu aos apelos de fé suscitados pelo padre e mijou no tanque fazendo o carro funcionar. O padre, depois que o carro arrancou, incrédulo, disse essa frase: "vai ter fé assim na PQP! Ótima crôncia. Abraços. Paz e bem.
Esta tem muita graça, muito obrigado, curti. António
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