Eu achei que todos os meus desabafos sobre a tragédia que se abateu sobre Niterói tinham sido suficientes. Achei que meus gritos no twitter e a postagem no meu blog já tivessem sido o suficiente. Lá eu esbravejei contra o Poder Público, principalmente contra a Prefeitura de Niterói, na figura do atual Prefeito, Jorge Roberto Silveira, e do seu grupo político, que se reveza no poder há duas décadas. Gritei que os rostos que passaram no Jornal Nacional, essas caras chorosas que perderam tudo não são pobres coitados. São pessoas. Pessoas que sonham, que batalham, que tentam ter vidas dignas e dar um futuro aos seus filhos. Gente que tem suas pequenas ambições, fazer uma festa de 15 anos para a filha, comprar um carrinho melhor, conseguir viajar pra Cabo Frio nas férias, colocar os filhos na faculdade, mesmo na particular. Mesmo que custe muito.
Chorei em público porque os conheço. Convivi com eles boa parte da minha vida. Já as atendi na padaria, já trabalhei com elas atrás de um balcão. Fui a festas, a churrascos, vi as fotos, ajudei em matéria de escola dos filhos, emprestei livros – dei alguns também. Muitos desses que eu conheci, durante 18 anos, vivem nas comunidades atingidas: Morro 340, Morro do Castro, Morro do Estado, Beltrão, Cafubá, Cantagalo, Maceio, Cubango… e mesmo no morro do Bumba. Eu morei durante o meu primeiro ano de casada na Travessa Beltrão, onde oito pessoas morreram soterradas.
E me revoltei porque apontaram a culpa como sendo das vítimas, como não bastassem terem perdido tudo. Perderam a casa, a familia, documentos, a sua própria história e a sua memória, enterradas em montanhas de lixo e lama. Só que essas pessoas não são lixo. E não são burras. Elas não moram em encostas e lugares de risco por gosto e escolha. Eles não colocam a sua vida e a dos filhos em risco por opção. É ao contrário. Eles fazem isso por falta dela.
Não foi o bastante. Ainda dói. A ferida na cidade ainda está aberta, ainda sangra.
Ainda tem corpos embaixo do lixo. Ainda tem pessoas sem casa.
E ainda tempos que escutar os poderosos se eximindo de culpa, exigindo apoio nesse momento tão difícil, como se não fossem eles os responsáveis. Dizendo que obras de contenção não foram feitas por serem caras. Muito mais barato seria remover as pessoas que ali residem. Só que estas estão sendo retiradas em sacos plásticos que fazem às vezes de mortalhas. Ao invés de um conjunto habitacional, o novo endereço que a prefeitura está concedendo a eles é o cemitério do Maruí.
O dinheiro é pouco? Então, como Niterói tem vários projetos com a assinatura (cara) de Oscar Niemeyer? Um museu de arte contemporânea – que pouco contribui para a sociedade – que custou 1 bilhão de doláres? Longe de mim, enquanto escritora e funcionária do Ministério da Cultura, desmerecer qualquer coisa na área, mas fica aqui a pergunta: quantas vidas valem um museu?
Ou então, de que adianta expor nossa memória e nossa arte se matamos – ou deixamos morrer - quem mais teria necessidade de conhecê-la para ter orgulho de si e entender de onde veio?
domingo, 18 de abril de 2010
Quando o mundo cai
por Unknown
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