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sexta-feira, 16 de abril de 2010

Entrevista com o poeta José Inácio Vieira de Melo

José Inácio, foto por Ricardo Prado


José Inácio Vieira de Melo (1968), alagoano radicado na Bahia, é poeta e jornalista. Publicou os livros Códigos do silêncio (Salvador: Letras da Bahia, 2000), Decifração de abismos (Salvador: Aboio Livre Edições, 2002), A terceira romaria (Salvador: Aboio Livre Edições, 2005) – Prêmio Capital Nacional de Literatura 2005, de Aracaju, Sergipe, A infância do Centauro (São Paulo: Escrituras Editora, 2007) e Roseiral (São Paulo: Escrituras Editora, 2010). Organizou Concerto lírico a quinze vozes – Uma coletânea de novos poetas da Bahia (Salvador: Aboio Livre Edições, 2004) e a agenda Retratos Poéticos do Brasil 2010 (São Paulo: Escrituras Editora, 2009).

Publicou também o livrete Luzeiro (Salvador: Aboio Livre Edições, 2003) e o CD de poemas A casa dos meus quarenta anos (Salvador: Aboio Livre Edições, 2008). Participa das antologias Pórtico Antologia Poética I (Salvador: Pórtico Edições, 2003), Sete Cantares de Amigos (Salvador: Edições Arpoador, 2003), Voix croisées: Brésil-France (Marselha: Autre Sud, 2006) e Roteiro da poesia brasileira – Anos 2000 (São Paulo: Global, 2009).
Coordenador e curador de vários eventos literários, como o Porto da Poesia, na VII Bienal do Livro da Bahia (2005) e a Praça de Cordel e Poesia, na 9ª Bienal do Livro da Bahia (2009), assim como os projetos A Voz do Poeta (2001) e Poesia na Boca da Noite (2004 a 2007), ambos em Salvador, e Travessia das Palavras (2009), em Jequié. É curador do projeto Uma Prosa Sobre Versos, em Maracás, desde 2008.Foi co-editor da revista de arte, crítica e literatura Iararana, de 2004 a 2008. É colunista do site Cronópios e edita o blog Cavaleiro de Fogo (www.jivmcavaleirodefogo.blogspot.com). Venceu o Prêmio Nacional Iararana de Poesia 2001/2002 e o Concurso de Fotografia e Poesia Vila d’Água 2009.
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SAMIZDAT – Você transita entre a literatura e o jornalismo. Estes dois mundos se comunicam em sua obra, ou são exercícios paralelos, talvez até antagônicos?


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – Não diria que sejam antagônicos. Mas o fato de ser jornalista não define nada em minha criação poética. Por outro lado, auxilia bastante na divulgação.


SAMIZDAT – Do Nordeste brasileiro já surgiram grandes nome da literatura nacional, como Jorge Amado, José Lins do Rego, João Ubaldo Ribeiro, Cecília Meireles, Raquel de Queiroz, entre incontáveis outros. No entanto, esta região tem historicamente alguns dos piores índices de analfabetismo do país, sendo que, hoje em dia, concentra 50% dos iletrados brasileiros. Como você entende esta contradição? "Em terra de cego, quem tem um olho é rei", ou a qualidade literária nordestina funda-se numa rica tradição popular oral?


JIVM – Engraçado, dos escritores que você citou apenas um é poeta. A Cecília Meireles. Que não é nordestina. Ela é carioca. E a minha preferida na língua portuguesa. O fato é que a maioria dos grandes romancistas e poetas do século XX era formada por nordestinos. Recentemente, Ivan Junqueira, poeta, enssta e tradutor, falou em uma entrevista para Carlos Ribeiro, no jornal A Tarde, que a melhor poesia do Brasil, na contemporaneidade, é feita no Nordeste. E é verdade. Basta se debruçar sobre a obra dos cearenses Francisco Carvalho, Gerardo Mello Mourão e José Alcides Pinto, ou dos maranhenses Nauro Machado, José Chagas e Ferreira Gullar, ou ainda dos pernambucanos Alberto da Cunha Melo e Marcus Accioly, e mais o sergipano Santo Souza, e, claro, os baianos Maria da Conceição Paranhos, Antonio Brasileiro, Florisvaldo Mattos, Myriam Fraga, Roberval Pereyr, Luis Antonio Cajazeira Ramos, Adelmo Oliveira e Ruy Espinheira Filho. Sem falar na nova safra de poetas que está se consolidando. A poesia produzida no Nordeste é, sem sombra de dúvida, de um vigor extraordinário. Talvez se deva a essa tradição oral da qual você fala. Talvez seja porque toda essa aridez, todo esse desespero seja a massa mais propícia para amalgamar os versos. Talvez seja por a poesia ter começado no Nordeste, especificamente na Bahia, com Gregório de Mattos.


SAMIZDAT – Escarlate: cor que por muito tempo representou a nobreza, sobretudo na Idade Média, figura sempre nos teus escritos. Qual a relação entre a cor e o teu fazer poético?


JIVM – A cor vermelha exerce uma grande influência em minha pessoa. O meu nome “Inácio” significa “Fogo”. Sou ariano com ascendente em áries. Minha cor é o vermelho. Minha pedra é o rubi. E a palavra escarlate bate sempre em minhas pálpebras. É uma palavra acordada. Quente. E eu não gosto de dormir. Vai ver que é por isso que ela aparece tanto nos meus versos.


SAMIZDAT – Gostaríamos que falasse um pouco sobre seu processo de composição. Como você combina a inspiração e os insights com a racionalização do poema? Como o íntimo interage com

o ambiente e a sociedade em sua obra?


JIVM – Eu não tenho processo de criação. Escrevo pouco. Em torno de 25 poemas por ano. Às vezes, estou deitado numa rede, lendo, aí um passarinho canta no pé de juá, que fica ao lado, e desperta um verso em mim. Outras vezes estou dirigindo, ouvindo rock, quase sempre o Led Zeppelin, e aí sou tocado pela musa, e surgem versos. Até contando gado, passando na cancela, já fui acometido pela poesia. Então, não tem um processo. Eu não escolho hora pra fazer poesia. A poesia é quem determina o instante. E pra ela, essa amante exigente, não tem hora certa. Tem que ser no momento que ela determinar. Não entendo muito de sociedade. Não sou muito sociável.


SAMIZDAT – Seu novo livro, Roseiral, evoca muitas imagens, que se apresentam em mais de um poema, como pedras e pétalas. Há também representações da infância, do humano, do feminino e do erótico. Por que o privilégio das roseiras? Fale um pouco sobre o novo trabalho.


JIVM – Não foi assim: “O meu próximo livro vai se chamar Roseiral”. Nada disso. Numa madrugada, lá na Pedra Só, acordei com um monte de imagens destrambelhadas que falavam de rosas, de mulheres, de sangue, de pétalas e de pedras. Então, logo de cara fiz uns seis poemas, a maioria saiu em versos decassilábicos. Meses depois surgiram uns poemas falando mais das pedras, do planeta, das eras. Depois dei um mergulho na infância. Um mergulho doloroso, mas que, por outro lado, trouxe o aflorar do erotismo no adolescente de cabelos encaracolados. O Roseiral começa no terreiro de pedras, que leva ao jardim, labirinto escarlate por onde se faz a travessia para alcançar a calçada da juventude e, finalmente, chega à casa da maturidade. “A casa dos meus quarenta anos” é o alicerce disso tudo.


SAMIZDATRoseiral é um livro forte. Nele figuram termos que não estão no cânone poético. Por que essa opção?


JIVM – Como já falei, não é uma questão de escolha, de opção. Os poemas surgiram da maneira que estão no livro. Eu poderia ter optado em não ser franco com a minha obra e mudar determinadas palavras que possam vir a desagradar alguns ouvidos mais melindrosos. O que acontece é que não faço poesia para agradar fulano ou beltrano. Faço poesia por uma necessidade. Se fosse uma coisa que eu pudesse controlar, juro que deixava de lado e nunca mais escreveria um verso. Mas se fizer isso, eu morro.


SAMIZDAT – Além das palavras corajosas e robustas, figura no poema de abertura “Transmutação” a ideia de Deus repreendido pelos humanos. Ainda que o autor não seja submetido compulsoriamente ao seu contexto social, como você analisa essa postura distinta de um poeta cuja terra caracteriza-se, entre outras coisas, pela religiosidade?


JIVM – Não se trata de uma repreensão. Trata-se, na verdade, de um questionamento relacionado ao que é divino. Por outro lado, é uma denúncia do que é feito em torno da idéia de Deus – seja qual for a nomenclatura (Alá, Deus, Brama...). Assim como é uma abertura para uma série de denúncias que aparecerão em outros poemas, como, por exemplo, a do patriarcalismo arcaico, que desembocou no coronelismo que até hoje ainda vigora em certas paragens do Brasil, sobretudo do Nordeste. Jogar pedras para despertar a aurora das ideias. Eu sou uma pessoa de fé. Mas a minha fé aumenta através do conhecimento.


SAMIZDAT – Como você analisa o engajamento social do poeta: possível, indispensável ou facultativo?


JIVM – Não existe assunto poético e assunto não poético. Na poesia até o impossível é possível. E nada é obrigatório. Agora, eu, particularmente, não acredito em poeta que não vive a poesia nem muito menos em poeta que não lê poesia. A leitura é indispensável.



A Samizdat agradece a participação do poeta José Inácio, que faz aniversário hoje, dia 16, com o lançamento do seu novo livro Roseiral na Academia de Letras da Bahia, às 17 horas.




Coordenação de entrevista:
Caio Rudá de Oliveira

Perguntas:
Caio Rudá de Oliveira
Georgio Rios
Joaquim Bispo
Henry Alfred Bugalho
Wellington

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3 comentários:

É sempre enriquecedor prestar atenção às palavras de José Inácio. A entrevista mostra um poeta senhor do seu ofício e fiel à sua obra. Parabéns aos integrantes da revista Samizdat. Ao José Inácio a minha profunda admiração.

Jeovah Ananias

Me emociona as palavras de José Inácio, e me entristece saber que ainda há tanto preconceito com a região Nordeste.
A poesia floresce aonde há alma e pena... Em situação adversa, até um graveto e areia serve, quando se tem a poesia dentro do coração.

JIVM foi entrevistado recentemente pelo programa Leitura da TV Senado.
Não consegui assistir a entrevista toda, infelizmente.
Será que se pode conseguir o video ou a transcrição no site da TV?
Acho que vou tentar pra passar o link pra vcs.

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