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terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Dez anos de ofício literário

“Por detrás de um sucesso instantâneo, há dez anos de trabalho duro”, este é um ditado corrente em Hollywood.
Enquanto que, por um lado, serve de aviso aos novatos para que estudem, aperfeiçoem-se e batalhem muito até chegarem ao estrelato, por outro lado também é a constatação que o sucesso não vem de graça, é fruto de muitos sacrifícios e trabalho diário. Não existe vitória sem luta.
Neste mês de janeiro, completo dez anos de carreira literária, desde o momento em que conscientemente decidi que, um dia, eu me tornaria um escritor.
No calor da batalha, não há tempo para pararmos e refletirmos sobre as derrotas e conquistas, pequenas ou grandes; todos os nossos esforços destinam-se ao próximo desafio, ao próximo combate a ser encarado.
No entanto, dez anos depois, sinto que posso compartilhar um pouco do que aprendi neste percurso e, mais do que isto, que eu também necessito desta ponderação para reforçar uma vez mais minha escolha, pois ser escritor no Brasil não é uma tarefa fácil, não é para quem tem dúvidas, não é para fracos.

Escrever? Por quê?
A escrita, como ofício, entrou acidentalmente em minha vida.
Da infância até a adolescência, quis ser desenhista, depois, dediquei-me exaustivamente ao piano, mas, ao me mudar da casa da minha mãe, fiquei vários meses sem praticar, sem ter como pagar o transporte do piano.
Foi na escrita que encontrei a minha forma de expressão, quando nada mais me restava. Assim como ocorre com várias outras pessoas, pensei que escrever era simples — bastava uma folha de papel e uma caneta.
Eu tinha apenas dezenove anos e acreditava, à época, que tinha muito para contar. Como muitos, escrevi minha autobiografia. Mal escrita, desinteressante, mal estruturada, mas que serviu como catarse. Acredito que pude exorcizar muitos dos meus medos, dos meus fantasmas, dos meus entraves subconscientes naquele livro que jamais verá a luz do sol.
Mas o prazer de ver um livro pronto, de ler minhas palavras, de ver meus pensamentos exteriorizados e perpetuados numa obra me motivou a escrever outros.
Prazer... Escrevo por prazer.

Contos e romances
Os primeiros anos foram os mais difíceis. Todo escritor iniciante se depara com os mesmos questionamentos: o que escrevo tem valor? É bom? Os leitores gostarão?
E disto deriva o desespero para fazer seus textos chegarem às mãos das outras pessoas, de receber comentários, de confirmar suas expectativas de que ali está o futuro Prêmio Nobel. Sim, todos os escritores almejam um dia receber o Nobel, mesmo que seja para recusá-lo, como fez Sartre!
Mas os outros não estão interessados no que escrevemos. Poucos podem dedicar seus preciosos minutos lendo as bobagens dum autor desconhecido. Os poucos que se prestam a este papel nada acrescentam — pais, avós, irmãos ou amigos raramente serão sinceros, raramente lhe dirão na cara que o seu livro é um lixo.
Produzi vários contos e dois romances nestes primeiros anos. Acreditava que, um dia, revolucionaria a Literatura, mas, relendo tais textos hoje, percebo como eram crus e ingênuos. Estava engatinhando ainda, precisando de orientação, ainda atrelado aos autores que eu lia ou admirava.
Mas esta constatação leva anos para ocorrer; naquele tempo, eu ainda me indignava quando, ao ver o resultado de um concurso literário, descobria que meu nome não estava entre os primeiros colocados, e me revoltava ainda mais ao ler os contos ganhadores e ter a certeza de que os meus eram muito melhores. Será que todos eram cegos? Ou será que minha genialidade os cegava?
Nada disto, eu apenas estava no processo de formação, de desenvolvimento, de aprendizado.
Mesmo assim, o meu primeiro romance bateu na trave da publicação por duas vezes. Na primeira, uma aluna do curso de editoração da USP procurava um autor para publicação. Tratava-se do projeto de conclusão de curso dela e ela precisava editar uma obra. Enviei-lhe o manuscrito de “O Canto do Peregrino” e, no dia seguinte, recebi a resposta: ela queria publicar o meu primeiro romance!
Fui até a USP, encontrei-me com ela e com o diretor da Editora Com-Arte e assinei a autorização para a publicação. No entanto, a aluna se formou, os anos se passaram, e jamais tive notícia da publicação. Logo depois, Chloris Casagrande Justen, a escritora — acadêmica da Academia Paranaense de Letras — que havia prefaciado o romance, tentou encaixá-lo numa série de publicações organizada pela Câmara de Deputados de Curitiba. Entreguei o original no escritório de editoração, mostraram-me o boneco das publicações, mas nada, até hoje parece que este projeto não saiu do papel.
Neste mesmo período, recebi minhas primeiras cartas de recusa para o segundo romance, “O Rei dos Judeus”, que chegavam com tamanha rapidez que eu só podia acreditar que ninguém havia sequer folheado o manuscrito.
Todavia, uma das editoras demorou tanto tempo para responder que cheguei a acreditar que, daquela vez, eu seria publicado. Tremia todas as vezes que abria a caixinha do correio. Após onze meses de espera, recebi a resposta: o livro havia sido recusado.
Esta sequência de negações, a sensação de patinar no lugar, me angustiava. Será que eu tinha talento? Deveria continuar?
Já estava investindo nisto há uns quatro anos e apenas recusas, só fracasso, só batendo a cara na porta...

Internet
Em 2004, publicar na internet ainda era arriscado. Todos falavam em cópia, plágio e outras violações de direitos autorais.
Só é vítima de plágio ou cópia aquele autor que tem algo a perder.
Eu não tinha nada perder, não tinha leitores, mas tinha na gaveta uma porção de textos. Por que não lançá-los na rede e pagar para ver? Por que não ingressar neste mundo e experimentar a escrita num blog?
Por que não?
Criei um blog, depois outro, e, num intervalo de meses, já tinha meia dúzia deles. E, pela primeira vez, também tinha leitores.
Que sensação extraordinária esta de chegar em casa, acessar seu blog e encontrar nele alguns comentários. Elogios ou xingamentos, tanto fazia, o importante era saber que havia alguém lendo o que eu escrevia, e que se comovesse tanto, positiva ou negativamente, a ponto de ter de me escrever de volta. O mais incrível era pensar que, naquela imensidão da internet, alguém havia encontrado meus textos e gasto alguns instantes para lê-los. Entre milhões de sites, blogs e textos, alguém havia escolhido os meus!
Nesta época, escrevi um romance diretamente num blog, “O Covil dos Inocentes”, que devia ter uns quinze leitores fiéis e, depois, tornou-se um livro. Quase todos os meus contos, depois de revisados, também iam ao ar.
Eu ainda não era conhecido, mas saciava o meu desejo por ser lido.

Oficina da E-TL e Revista SAMIZDAT
Eu havia constatado, desde o princípio, que o importante, na escrita, era estudar sempre. Além de ler livros sobre a escrita, estudar inclui ler obras de outros autores — reconhecidos ou não — e, principalmente, praticar.
A escrita, como qualquer outro ofício artístico, exige a prática quase diária. Quanto mais tempo dedicamos ao ofício, maior é o domínio sobre ele.
Com este intuito, foi criada a comunidade “Escritores – Teoria Literária” na internet, para debates sobre a escrita, para o aperfeiçoamento mútuo dos escritores e, posteriormente, a “Oficina da E-TL”, uma oficina literária virtual para produção e leitura de textos.
Acredito que tenha sido esta última a grande responsável pelo escritor que hoje sou, que me fez perceber quais eram meus erros e vícios de escrita, e na qual pude receber, pela primeira vez, pareceres sinceros sobre meus textos.
O valor deste tipo de leitura para um escritor é inestimável. Ouvir elogios é ótimo, motiva-nos a continuar, mas a crítica é essencial. É apenas quando alguém toca nossas feridas expostas que descobrimos como remediá-las.
Foi com vários escritores desta oficina que criamos a “Revista SAMIZDAT”, uma revista digital que hoje considero como o projeto literário que mais me dá motivos de orgulho. São dois anos de publicação mensal ininterrupta, com textos de altíssima qualidade, mas que voa bem mais baixo do que poderia.

Mãos-de-Vaca
Apesar dos vários romances e da quase centena de contos escritos, o meu projeto que realmente obteve algum reconhecimento nada tem a ver com Literatura.
“Nova York para Mãos-de-Vaca” foi um dos inúmeros blogs que criei, junto com minha esposa, trazendo dicas baratas de Nova York. O número de leitores cresceu exponencialmente e, em menos de um ano, estávamos dando a primeira entrevista para a Globo Internacional. Em três anos de publicação, este trabalho foi assunto para entrevistas e reportagens na Revista TAM, no portal Terra, no jornal “O Globo”, no jornal “Estado de S. Paulo”, na Tribuna de Santos, no SBT, em várias outras publicações e sites nacionais e internacionais. Atualmente, o “Jornal da Record” está preparando uma matéria sobre nós.
Do mesmo modo que minha carreira na escrita havia começado acidentalmente, também foi por acidente que concebi e realizei meu primeiro projeto bem-sucedido.
Aliás, foi este trabalho que gerou meus primeiros trocados com a escrita, após muito tempo gastando dinheiro com papel, correio, cartuchos de impressora, ou inscrições para concursos. Inicialmente, foram apenas poucos centavos por mês, mas, em breve, graças ao “Nova York para Mãos-de-Vaca”, poderei realizar o objetivo de viver exclusivamente da escrita.

Considerações finais
Há mudanças drásticas entre o que escrevi nos primeiros anos e o que escrevo hoje. Acredito que hoje escrevo mais e melhor. E também é mais fácil organizar meu tempo e concluir um livro.
Aos poucos, descobrimos alguns macetes, alguns atalhos, o que funciona e o que não funciona tão bem. E não é tão difícil prevermos se uma ideia dará um bom livro, ou se encalhará e acabará no lixão.
Ainda erramos, é óbvio; ainda nos dedicamos a projetos que fracassarão, mas a experiência nos ajuda a compreender melhor onde falhamos, e lidar mais humildemente com os sucessos.
A carreira literária não é como o lançamento de um foguete, que num minuto está no solo e, logo em seguida, deixando a atmosfera rumo ao espaço. A carreira literária é uma longa caminhada, um passo após o outro, sob sol escaldante, cheio de pedras e buracos no trajeto.
Não há metáfora mais batida, tampouco mais apropriada.
Neste período, percebo que obtive algumas conquistas, mas muito ainda há para ser feito. Diretamente, desde os meus blogs ou sites, meus textos foram acessados por mais de 600 mil leitores, indiretamente, imagino que por mais de um ou dois milhões. Não sou um “sucesso instantâneo”, tal qual no ditado hollywoodiano, mas este ano de 2010 promete!

Coisas que aprendi sobre a escrita nestes 10 anos
1 – Leia, estude e escreva sempre. Ninguém aprende a escrever melhor lendo; aprende-se a escrever melhor escrevendo. Mas leitura e escrita são indissociáveis.
2 – Poucos autores vivem exclusivamente com o lucro de sua escrita, e mais raros são os que enriquecem com Literatura; portanto, não se martirize por jamais ter ganhado um centavo com seus textos, você não é o único.
3 – Jamais subestime os leitores. Eles sabem muito bem o que gostam e o que querem ler. Comumente, o autor é o único culpado pelo próprio fracasso.
4 – Jamais menospreze o poder da propaganda, seja na mídia ou no boca-a-boca. Ninguém lerá o que você escreve se não souber onde encontrar seus textos.
5 – A era de domínio das editoras passou. Se nenhuma quer publicá-lo, disponibilize suas obras na internet, ou imprima seus textos e deixe-os em bibliotecas, ou cole-os em postes. Se você quiser realmente ser lido, deixe de ser invisível.
6 – O conceito de sucesso é relativo: alguns querem ficar ricos, famosos, admirados, realizados, ou qualquer outra definição. Descubra o que significa ser bem-sucedido para você e persiga esta meta. Nada garante que você conseguirá, mas é muito mais fácil ter um objetivo do que ficar vagando a esmo.
7 – Todos os escritores gostam de receber elogios, não existe motivação melhor. No entanto, aprenda a conviver com as críticas. Muitos o criticarão por inveja, simplesmente para destruí-los, mas outros apontarão seus erros na expectativa que você os corrija. Saiba discernir entre a crítica maldosa e a benéfica. É melhor ter por perto alguém para corrigi-lo, do que centenas de aduladores que o incentivem a continuar errando.
8 – Escreva corretamente e com clareza. Utilizar sua língua de maneira correta é muito mais fácil do que parece e, acredite em mim, seus leitores perceberão e apreciarão um texto bem escrito. A língua é sua matéria-prima, por isto, é fundamental conhecê-la e respeitá-la.
9 – Assim que você concluir uma obra, seja um conto ou um romance, deixe-o descansar por uns dias ou semanas. Quando você o ler novamente, encontrará erros e problemas que nem imaginava. Nada é tão bom que não possa melhorar. Contudo, saiba quando pôr o ponto-final e avançar para o próximo projeto.
10 – Quase todo mundo quer, ou já quis uma vez na vida, ser escritor. Nem todos conseguirão, nem todos têm o talento necessário. Assim como nem todos podem ser astronautas, engenheiros ou médicos. Alguns conseguirão; a maioria não. Mas isto é algo que só descobriremos tentando...

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4 comentários:

Gostei do artigo. As dicas soam bem sinceras mesmo.

«ter a certeza de que os meus eram muito melhores. Será que todos eram cegos? Ou será que minha genialidade os cegava?» - aqui soltei uma gargalhada e li o texto todo em voz alta para a minha mulher.

Muito despojado de jactância, um pouco dorido, aparentemente muito sincero e lúcido.

:D

Quem disse que vida de candidato a escritor é fácil?

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