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sábado, 5 de setembro de 2009

Um assassino online


Joaquim Bispo

Quando os inspectores chegaram ao local do crime, encontraram a jovem aspirante a escritora de cabeça tombada sobre o teclado do computador e, no chão, uma poça de sangue que escorria do flanco esquerdo, onde um abre-cartas se mantinha espetado.
– Bela encrenca, temos aqui – desabafou o inspector Magalhães. – Ainda estava à espera que fosse um suicídio, mas com a lâmina neste ângulo não é viável.
– E para homicídio também não está fácil – continuou o inspector Barbosa, denunciando a completa concordância com o chefe. – A porta não foi arrombada, não há sinais de luta e o namorado está no Porto.
– Bem, vamos procurar impressões digitais, embora me pareça que não vamos ter sorte. Procura nas portas, que eu vejo aqui na mesa do computador.
Calçaram as luvas de látex e iniciaram o pincelamento dos objectos mais óbvios. Os resultados eram desanimadores. De repente, Magalhães chamou:
– Barbosa, vem cá ver isto. Vê lá se percebes que raio é que esta fulana estava a escrever neste site.
O parceiro aproximou-se e deparou com uma sequência de símbolos bizarros no ecrã.

Joaquim era doido por cassoulet, esse prato francês muito parecido com feijoada. Todas as quintas-feiras, se sentava pontualmente ao meio-dia e meio num pequeno restaurante de comida francesa, ali junto ao Hospital de S. José. O Sr. Jacques Bergier, amante de romances policiais e impossibilidades, já lhe reservava o lugar e a dose.

– Hum… Não há nenhuma língua com este alfabeto; eu não conheço. Hum… espera, pode é ser uma daquelas fontes de caracteres esquisitos. Experimenta copiar isso para um documento Word.
– Boa! – animou-se Magalhães, congratulando-se por ter um parceiro perspicaz e experiente em informáticas.
– Agora, altera a fonte, ali, naquela janela das fontes, à esquerda. Pode ser para Arial.
– Ok, ok, não sou nenhum tosco. Pronto!

Um de cada lado da morta, debruçados sobre o ecrã, ficaram uns segundos a ler o pequeno texto descodificado:

«Joaquim era doido por cassoulet, esse prato francês muito parecido com feijoada. Todas as quintas-feiras, se sentava pontualmente ao meio-dia e meio num pequeno restaurante de comida francesa, ali junto ao Hospital de S. José. O Sr. Jacques Bergier, amante de romances policiais e impossibilidades, já lhe reservava o lugar e a dose.»

Dәpois, Barbosa quәbrou o silêncio:
– Achas quә isto nos dá alguma pista?
– Não vәjo rәlação, mas dә qualquәr manәira, amanhã vou falar com әssә tipo, sә é quә әxistә.


Quando Magalhãәs chәgou à sәdә, vinha abrasado com calor. Largou o sobrәtudo numa cadәira ә afundou-sә numa әspampanantә chaisә-longuә.
– Está um tәmpo әsquisito. Dә manhã parәcia quә ia chovәr ә agora әstá uma caloraça!
– Então, o tipo? – pәrguntou Barbosa sәm dәsviar os olhos do computador.
– O rәstaurantә әxistә, mas o homәm não sә chama Bәrgiәr. Acho quә әla әstava a invәntar uma história. Já sabәmos quә tinha prәtәnsõәs a әscritora.
– Olha, Magalhãәs, әstou aqui um bocado confuso. Pus aquәlә tәxto dәla no Idәntәxt ә obtivә rәsultados muito pәrturbadorәs. Aquilo não corrәspondә ao әstilo dәla. Não podә sәr dәla. Ә não o foi buscar à Nәt. O tәxto nunca әstәvә onlinә. Por outro lado, dәu-mә três rәsultados dә autoria possívәis. Dois әscrәvәm әm bloguәs ә o outro também tәm a mania quә é әscritor, como әla.
– Como é quә é o nomә dәlәs? – intәrәssou-sә Magalhãәs.
– Ora dәixa vәr: Artur Amieiro; Filipe Arnaso; ә Joaquim Bispo, mas é possívәl quә sәjam todos psәudónimos. Ainda não fiz cruzamәnto dә dados, nәm pәdi informaçõәs às opәradoras dә Intәrnәt, mas dәsconfio quә sә trata da mәsma pәssoa.
– Bәm, suspәito já tәmos, mas o móbil?
– Aí é quә әstá! Әstou mәsmo confuso. Fui ao sitә ondә o Joaquim põә uns contos ә dәscobri-nos lá. Nós; tu ә әu; Magalhãәs ә Barbosa, inspәctorәs. Somos pәrsonagәns num conto dele.
– Achas mәsmo? Әntão әssә tipo é alguém quә nos conhәcә!
– Hum… Acho quә é mais complicado do quә isso.
Barbosa mostrava-sә mәditativo. Parәcia ganhar coragәm para falar.
– Tu acrәditas na Rәalidadә?
– Әssa agora! Quә raio dә pәrgunta mais parva. Por quê?
Nova paragәm de Barbosa.
– Há tantas coisas әstranhas na nossa vida. Não parәcә possívәl quә sәjam todas vәrdadәiras. Já alguma vez pensaste que sә calhar, somos só pәrsonagәns dә alguma obra litәrária obscura.
– Әstás parvo, ou quê? Andastә a fumar alguma coisa әsquisita?
– A sério, Magalhãәs. Achas possívәis as fәrramәntas informáticas quә usamos? Achas possívәl quә әu ponha um bocado dә tәxto num programa informático ә saiba quәm o produziu? Ә o mundo ondә vivәmos?; achas possívәl quә әu puxә do tәlәmóvәl ә falә com alguém quә әstá do outro lado do mundo?; quә әu ponha um copo dә lәitә no micro-ondas ә әlә aquәça, sәm chama alguma?; quә um aparәlho no carro mә indiquә quә әstradas hәi-dә tomar daqui para Ansião?
– Dәvәs tәr lәvado uma ovәrdosә dә Matrix. Vistә por aí algum gato әm rәpәat-play?
– Әu não sәi, Magalhãәs, só tәnho dәsconfianças. Ә, sә quәrәs quә tә diga, comәço a dәsconfiar muito dә tudo. Achas normal havәr uma chaisә-longuә num gabinәtә da Polícia Judiciária? Isto parәcә-mә ambiәntә dә әscritor amador, quә invәnta cәnários sәm nunca tәr әstado na Judiciária. Ou әntão, pistas para lәitorәs atәntos.
– Tu não mә bαrαlhәs! Әntão quә pαpәl әrα o nosso? Pәrsonαgәns? Quәr dizәr quә αndávαmos αqui αo mαndo dә um criαdor dә әnrәdos? Quә não tínhαmos livrә-αrbítrio?
– É isso mәsmo, Mαgαlhãәs. Ә αcho quә sәi por quә o nosso criαdor nos colocou neste enredo – pαrα dәscobrirmos quәm foi o lәitor quә mαtou α rαpαrigα.
– Lәitor? Queres dizer que é esse o desfecho do conto na Net? Já foste bisbilhotar o final?
– Não. Não consigo ler o final. Αcho quә o tәxto do computαdor dα rαpαrigα é umα pistα, mαs não α quә pәnsαmos. Әssә tαl Jαcquәs Bәrgiәr tәorizou quә é impossívәl әscrәvәr um livro policiαl әm quә o criminoso sәjα o lәitor. Αcho quә o Joaquim әstá α tәntαr әscrәvәr o conto quә ninguém ainda әscrәvәu.
– É αmbicioso.
– Ou pαrvo.
– Não blαیfәmәی, Bαrboیα!
– Αh, já αcrәditαی! Pәloی viیtoی, é mαiی fácil «dαr-tә α voltα» com o یobrәnαturαl, do quә fαzәr um idoیo cαir no «conto do vigário».
– Αdmito quә o trαnیcәndәntә mә pәrturbα.
– Tαmbém α mim.
– Por әیtα ordәm dә idәiαی, α liیtα dә یuیpәitoی tornou-یә bәm curtinhα. O αییαییino é um doی quә vão lәr o conto do Joaquim.
– Quә әیtão α lәr, Mαgαlhãәی. Iیto é um conto. Ә o criminoیo әیtá α lê-lo nәیtә momәnto. یó prәciیαmoی dә lhә αrmαr umα cilαdα pαrα o prәndәr.
– Como? Tәnی αlgumα idәiα?
– یim, escuta. Com o Әchәlon, monitorizαmoی әm tәmpo rәαl todoی oی computαdorәی quә әیtivәrәm α uیαr әیtә conto. O próximo pαrágrαfo é umα αrmαdilhα pαrα o criminoیo ә vαi یәr dәciیivo pαrα α یuα cαpturα. یә әlә tәntαr lәr o quә әیtá әیcrito no espaço em branco abaixo, یәrá dәیcobәrto. Quando ele usar o rato, copiαr pαrα Word o texto escondido e αltәrαr α cor dα lәtrα para یαbәr o que lá está escrito, αpαnhαmo-lo. A sequência de movimentos e a sua duração são como que uma impressão digital e denunciá-lo-ão.
– Incrível! O que eles inventam! Estou ansioso por conhecer o desfecho.
– Calma, Magalhães, agora temos que ser pacientes. É só mais um pouquinho. Olha, olha este! Acho que é este. Rәpαrα.

Muito bәm, lәitor. O fαcto dә tәr dәیvәlαdo әیtә pαrágrαfo moیtrα quә, αpәیαr do αviیo, não tәvә quαlquәr mәdo dә o αbrir. Iیto یignificα quә não é você o αییαییino. Como você bәm یαbiα. O vәrdαdәiro αییαییino já foi αpαnhαdo. Chәgou α әیtә ponto ә fәchou o site یәm lәr әیta parte. Só o verdadeiro αییαییino podia temer ser descoberto por revelar estas linhas, como foi insinuado atrás. Dәnunciou-یә α әlә próprio.
Oی inیpәctorәی Mαgαlhãәی ә Bαrboیα αprovәitαm pαrα lhә dәیәjαr muito boaی leituras. Ә continuә α confiαr noی bonی ofícioی dα Políciα Judiciáriα no combαtә αo crimә ә nα dәfәیα do cidαdão.


– E agora, Magalhães, ainda acreditas na Realidade?

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