Funeral marítimo
grito
um gosto salgado
nauseante
chega-me aos cantos da boca
alguém a bordo morreu
por um vento inconcebível
vago à deriva
jogado pelas correntes
possivelmente louco,
temeroso, mas ciente do meu destino
renego os nomes que carrego
e na ciência da vontade que me habita
agarro-me ao silêncio
o pouco dele que ainda me resta
o meu silêncio não é só
à hora de dizer, nada
a boca salgada e a voz calam
o coração das coisas não ditas
pulsa ainda, vivo, feliz
porque o realizado
tem o infortúnio de existir
somente se está morto
ao meu silêncio fazem companhia
as ditosas frases esperançosas
e mesmo as esperanças
felizes, livres de vir ao mundo
pois não há quem as julgue
ou rejeite
mais delas estariam vivas
se ninguém as proferisse
ou quisesse pôr fim às dores alheias
mas alguém a bordo morreu
não lhes acendo velas
nem lhes guardo a cabeceira
do leito derradeiro
não as limpo
nem as visto com uma mortalha digna
- mereciam, mas não o faço -
pobres defuntas
desperdiçadas
consola-me apenas
lançá-las ao mar
deixar que essa imensidão decida
que rumo tomarão
submergirão, esquecidas
ou consumidas pelas coisas inomináveis
que fazem com que tudo aquilo que cai no mar
torne-se, vivo ou morto,
também o mar
consola-me o mar
meu silêncio não está só
sei, pois carrega as pobres mortas
e o vento, outra vez, leva-me adiante
terça-feira, 8 de setembro de 2009
Laboratório Poético: mistério
por Anônimo
Seja o primeiro
Volmar Camargo Junior
0 comentários:
Postar um comentário