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terça-feira, 18 de agosto de 2009

Repaginando as Havaianas

Havaianas eram coisa de pobre, na época em que eu era criança.

Todo menininho de periferia ou do interior usava uma, quando mais detonada, melhor. Para muitas pessoas, era o único calçado na vida: pedreiros, lavradores, camelôs, todos caminhavam sobre Havaianas.
Lembro-me muito bem de quando corríamos — e criança sempre está correndo, mesmo que não haja razão — e, subitamente, algum de nós ficava para trás. Era a tira da Havaiana que havia se soltado, então, o piá agarrava a chinela e, com uma maestria de anos de experiência, reinseria a tira e voltava a correr.
Isto quando a tira já não havia se rompido muito tempo antes, e fora substituída por uma de outra cor, provavelmente de algum outro par que, talvez, havia se arrebentado pela metade na sola, outro problema comuns com tais chinelos.

As Havaianas também eram um sucesso nas partidas de futebol.
Quem precisa de uma luva de goleiro quando tem um par de Havaianas?
Bastava encaixar o chinelo nos dedos da mão e se jogar para agarrar a bola sem medo das espalmadas.

E qual moleque no interior nunca perdeu uma de suas Havaianas ao saltar um riacho ou se enfiar no banhado? Meter o pé num lodaçal era o fim definitivo do chinelo, mas logo ele apareceria com o pé de outro tamanho ou cor, emprestado do pai, da irmã, ou encontrado esquecido na beira (ou boiando) num córrego.
Pois Havaiana era quase um bem coletivo, passava de pés em pés, usava-se para tomar banho e evitar o choque no registro do chuveiro, para ir à praia e se encontrava em qualquer lojinha popular.
Eram tão queridas, que surgiram as imitações, a ponto que foi preciso criar o slogan: "Havianas, as Legítimas. Não deformam, não soltam as tiras e não têm cheiro", o que era uma baita de uma mentira, pois eu já tive amigo cujo chulé empesteava até as Havaianas.

Mas os tempos mudaram e as modelos brasileiras levaram este patrimônio nacional para o "estrangeiro". Estarrecidos, os gringos admiraram a tecnologia simples e eficaz das Havaianas e se tornou uma febre.
As Havaianas foram "repaginadas" (para acompanhar a palavra da moda) e do pé da piazada e do chão batido passaram para os das celebridades e lojas da Quinta Avenida.
Hoje, ter uma Havaiana é uma necessidade, é um artigo da moda, é in, é cool.

Se antes as Havaianas só tinham 8 cores (porém, eu só me lembro de três, da azul marinho, da vermelha e da preta), hoje elas tem milhares, quiçá milhões de diferentes tonalidades e estampas. Não basta mais ter apenas um chinelo, tem de combinar com o resto da roupa.

Amanhã será aniversário de uma amiga americana e, sem hesitação, minha esposa decidiu por comprar uma Havaiana para ela. Não há erro! É um dos símbolos do Brasil.

No entanto, cuidado! As Havaianas não são para qualquer um...
Se é um menininho raquítico ou uma modelo esquelética, tudo bem, mas, no verão passado, apareceram algumas reportagens nos EUA sobre o perigo de se usar Havaianas: é que uma gorda americana havia passeado a tarde inteira sob sol escaldante e, no fim do dia, estava com os pés todos assados.
Os telejornais advertiam sobre os riscos destes chinelos.

E é neste momento que surje o maior dos paradoxos: o americano almeja socar seu pé gorducho numa Havaiana a qualquer custo, enquanto que o sonho de muito brasileiro é ter um Nike, que é tão barato nos EUA que até os mendigos usam um.
Pelo menos, o Nike realmente nunca solta as tiras, e você nunca verá um rapazinho do Harlem tendo de parar de correr para arrumar seu tênis, nem perderá seu Nike no banhado...

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