Santiago Nazarian é autor dos romances 'Mastigando Humanos', 'Feriado de Mim Mesmo', 'A Morte sem Nome' e 'Olívio'. Em 2003, recebeu o Prêmio Fundação Conrado Wessel de Literatura, por seu romance de estréia. Em 2007, foi eleito um dos autores jovens mais importantes da América Latina, nas comemorações do Hay Festival em Bogotá, capital mundial do livro. Suas obras foram publicadas também na Europa e América Latina. Mora em São Paulo e, além de escritor, é tradutor, roteirista e colabora com diversos periódicos.
Santiago, você foi um dos quatro autores brasileiros convidados para o Bogotá 39 (encontro literário que reuniu 39 escritores com menos de 39 anos, representantes da nova literatura latino-americana – denominada de boomcito). Tendo participado do grupo, você identifica uma preocupação comum entre estes vários autores? Você se sente com uma responsabilidade maior após este encontro? Como ele tem influenciado sua visão da literatura?
Santiago Nazarian: Para mim, o encontro serviu para identificar a proximidade do Brasil com a América Latina de uma maneira mais geral, não apenas literária. Aliás, 2007 foi um ano em que eu estava descobrindo a América Latina, viajando pelo continente, Chile, Argentina, Colômbia – antes disso eu conhecia muito melhor a Europa. Mas num encontro desses, com escritores de vários países vizinhos, você vê como somos muito mais próximos na questão cultural, no humor, na afetividade e até mesmo na aparência física do que com os europeus. Claro, pode parecer uma constatação óbvia, mas serve também para nos lembrar o quanto desprezamos os países vizinhos. Brasileiro viaja pra Argentina, Chile no máximo, e acha que no resto dos países são todos cucarachas. Bom, cucarachas somos todos nós. É engraçado notar também que o oposto não é verdadeiro, os outros países têm uma relação mais próxima entre eles e até mesmo com o Brasil. Um exemplo é como havia jornalistas argentinos, uruguaios, cobrindo o Bogotá 39, mas não havia nenhum jornalista brasileiro. Os jornais daqui, inclusive, ignoraram totalmente o encontro – a organização do evento, e nós escritores, oferecemos a pauta. Talvez se fosse um encontro em Paris, fosse interessante para os jornais daqui, mas um encontro de escritores latino-americanos em Bogotá... Não gerou nem notinhas. Então acho que foi isso, o evento serviu para eu me identificar como latino-americano, mas não mudou muito minha visão da literatura em si, ou da minha responsabilidade, continuo encarando a literatura como uma trilha pessoal; tenho meus temas pessoais, minha visão particular e prefiro me ver assim do que encaixado num movimento ou mesmo numa geração.
Qual é, na sua opinião, o maior desafio que o autor brasileiro tem de enfrentar?
S.N: A falta de leitores. Isso se dá por questões culturais, econômicas e sociais diversas. A falta de leitores é um mal que aflige cada vez mais a literatura mundial, mas o Brasil, como um país subdesenvolvido, sente com especial ênfase. Há também questões particulares que dificultam a difusão da literatura brasileira, como a própria barreira da língua, já que o português é tão pouco falado no mundo. Até mesmo as traduções se tornam mais difíceis, à medida em que as editoras têm menos leitores de português para avaliar as obras, traduzir, etc.
O site da revista piedepágina, edição nº 12, inclui o texto Literatura para despertar zumbis, de sua autoria. Nele, há um trecho com a seguinte frase: Talvez com a maturidade literária, eu tenha apenas me tornado realmente jovem, tenha aceitado minhas referências, meu universo, sem medo ou barreiras para expressar minha arte.
Você pode falar mais sobre que influências são essas? O que é influência na sua opinião e até que ponto um escritor é influenciado?
S.N: Influência é a manifestação e transformação do repertório. Todos nós temos um vasto repertório, que incluiu literatura, música, moda, etc. Algumas vezes, informações que obtivemos em determinado momento da vida se manifestam inconscientemente na nossa arte. Já outras vezes, essas manifestações são conscientes, nos dão elementos, idéias, para nossa própria arte. Na literatura, como arte elitista, convencionou-se a desprezar a influência da cultura pop. Mas qualquer um que nasceu dos anos 60 para cá está mergulhado em cultura pop – filmes, música, TV – por mais que negue essa influência. Durante algum tempo eu tentei – conscientemente – abordar na minha literatura apenas os elementos da alta-arte, desprezar esse lado pop também, porque achava que ele poderia ralentar minha escrita. Com o tempo fui percebendo que a grande conquista poderia ser assumir essas influências e tentar trabalhá-las de uma forma genuinamente literária. Essa tem sido umas das minhas principais preocupações, em matéria de estilo de uns quatro anos para cá.
Ainda no texto Literatura para despertar zumbis, encontra-se: Talvez, a cada romance que eu escreva, bata um sino no meu inconsciente: “como posso fazer para ofender acadêmicos e perder prêmios?” Não sei desde quando – ao menos no Brasil – escritores se aproximaram mais de professores do que de artistas. Escritores se tornaram aliados das instituições. Quero ser aliado dos transgressores...
Isso soa muito bem, tendo a arte como o caminho possível, dentro da civilização, para darmos um destino aos nossos impulsos transgressores, mesmo perversos... Aliás, Elizabeth Roudinesco está lançando um livro na Flip, falando sobre essa questão da perversão e da perversidade.
Você concorda com essa idéia, de que a criação artística em geral, e a literária em particular, já que trabalha com palavras, é a melhor das hipóteses para dar conta dos impulsos transgressores que temos dentro de nós?
S.N.: Eu acho que a literatura, como arte de uma minoria (e para uma minoria) pode e deve tratar de questões que não são tratadas em outros lugares. E mais, por ser uma arte conteudista, não conceitual, tem o dever de se aprofundar nas discussões. Então, enquanto no campo jornalístico e no discurso demagógico se diz “criança precisa estar na escola”, no campo literário pode-se ver o outro lado da questão, o quanto o modelo de ensino atual é precário, o quanto a posição do professor é muitas vezes uma posição hipócrita, o quanto o ensino pode ser mais uma forma de exercer poder do que de gerar discussão. Isso é só um exemplo, mas um exemplo real de uma das discussões eu ofereço nos meus livros. Enquanto o discurso demagógico diz: todos os homens são iguais, o discurso literário pode dizer “não, as pessoas têm diferenças e essa sociedade não admite diferenças.” E a literatura de ficção deve se permitir ser politicamente incorreta, revelando preconceitos, perversões, porque não se pode fingir que essas coisas não existem, que não existem no mundo e que não existem na cabeça das pessoas; que uma dona de casa de meia-idade não pode querer torturar uma criança, por exemplo. Se passa na cabeça das pessoas, se passa na cabeça do escritor, precisa ser colocado no papel, porque a arte é a melhor ponte entre a vida subjetiva de cada um, talvez a única ponte entre essas vidas internas. A literatura tem de ir além da verdade oficial, da verdade permitida, a literatura tem de ir além da verdade, oferecer essa possibilidade além. Sua única barreira é a criação humana.
Sobre seu romance Mastigando Humanos: o que você tem lido, ouvido, visto sobre ele? Você mesmo diz que ele é diferente dos três anteriores. O que o motivou para essa mudança? E por que um jacaré?
O romance foi escrito com essa consciência do meu papel de “jovem escritor”. Quero dizer, enquanto jovem, eu me sinto no dever de trazer algo novo, trazer novas referências, novas estéticas. Em “Mastigando Humanos” procurei fazer isso de forma bem radical, todo o tom pop e bem humorado do livro vai nesse caminho. A escolha do jacaré foi uma escolha afetiva – já que eu sempre gostei e estudei répteis, e também por ser um pouco como eu vejo o adolescente: agressivo, com um enorme apetite, mas ainda com certa timidez, um pouco desajeitado. O livro trata basicamente da passagem da adolescência para a idade adulta. Em geral, foi bem recebido, as críticas foram melhores do que eu esperava. Foi finalista do Portugal Telecom e afins.
Tendo em vista sua participação em sites, incluindo seu blog Amor & Hemácias, como você percebe a influência da internet no mundo literário?
É uma forma de comunicação com o leitor, com outros autores, uma forma do escritor mostrar o que está fazendo, o que tem lido, etc. Para mim, serve apenas para isso. Já é o suficiente.
Em seu blog, você fala sobre comprar ou baixar um filme para ter e rever quando quiser. O mesmo que acontece às músicas que marcam certos momentos de nossa vida. Quando você usa o verbo ter, significa ser uma espécie de co-autor com o artista? O que você pensa da obra artística depois que ela deixa as mãos de seu autor?
Não, quando eu uso o verbo “ter” eu me refiro apenas ao objeto cultural, que pode até ser um objeto virtual, no caso de uma música ou um filme. Acho que a obra nunca pertence tanto ao público quanto ao artista, e digo isso me colocando nos dois lados da questão. Como público, eu nunca me sinto tão “possuidor” de uma obra de arte, em identificação intensa com ela quanto com minha própria obra. É como eu disse anteriormente, a obra de arte - a literatura - é uma ponte entre a vida subjetiva do artista e a vida do receptor, mas essa troca sempre é limitada. Você tem a ponte, pode chegar até lá, dar uma olhada, mas não vai residir naquele castelo, entende? É uma visita turística, limitada. Pode parecer pouco, mas não é, porque a chave final estará sempre no autor. E se basta para ele, se responde às perguntas dele, é válido, responderá a perguntas diversas de várias outras pessoas.
Como é a relação com seus romances enquanto estão no rascunho? Você é verborrágico ou meticuloso? Planeja o texto todo antes ou deixa que as coisas vão acontecendo?
Verborrágico, claro. Meus romances mais recentes eu até tive certo planejamento, criei os personagens, sabia exatamente onde queria chegar, como iria terminar, mas as frases vão surgindo espontaneamente, é como uma pintura em que vou pincelando por cima. Nada é apagado.
Em seus trabalhos de tradução, nota-se que você não os faz apenas por encomenda de editoras, mas também por prazer próprio. Isso reflete uma preocupação em apresentar, no Brasil, autores estrangeiros que você julga de qualidade, mas que são ignorados por nossos editores. Diante disso, qual sua opinião sobre a política editorial brasileira?
Eu já sugeri algumas coisas para as editoras com que trabalho, já tentei emplacar algumas traduções, mas é muito raro eles aceitarem as sugestões. Achava que isso era uma limitação que eu tinha, mas recentemente vi o Paulo Henriques Britto dizendo que a Cia das Letras raramente aceitava as sugestões dele também. Então eu faço mais trabalhos por encomenda. Até porque, tenho um gosto um pouco atípico. Grande parte dos autores estrangeiros que gosto, sei que não seriam comercialmente viáveis no Brasil. É preciso saber separar, encarar com certo olhar mercadológico.
Pode nos adiantar algo sobre o enredo do seu novo romance O Prédio, o Tédio e o Menino Cego? Ele seguirá a linha psicodélica de Mastigando Humanos?
Sete meninos entrando na adolescência se apaixonam por uma professora, que é uma infanticida serial. É isso. Um pouco menos psicodélico do que o Mastigando Humanos, porque não tem toda a alegoria com animais e tal, mas ainda assim tem certa dose pop, certo humor negro, eu diria que é um romance existencialista bizarro.
Coordenador da entrevista:
Carlos Alberto Barros
Perguntas feitas por:
Alian Moroz
Carlos Alberto Barros
Henry Alfred Bugalho
Marcia Szajnbok
Volmar Camargo Junior
Zulmar Lopes
terça-feira, 15 de julho de 2008
Entrevista com Santiago Nazarian
por Henry Bugalho
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