Eu estava na minha caminhada matinal, como fazia todos os dias. Era uma manhã agradável, linda, ensolarada e fresca, com uma leve brisa gélida. Andado sem rumo e distraído fui parar numa parte totalmente desconhecida, nunca estivera antes e nem sabia, até o momento, que existia.
Essa parte da cidade era diferente das outras, tinha tons cinzas e pretos, com arquiteturas antigas, mórbidas e carregadas de tristeza, com ares melancólicos.
Continuei caminhando, observando cada lugar em que passava. Já estava perdido e não sabia o caminho de volta. Não havia ninguém nas ruas.
Avistei uma imponente catedral enegrecida, aspecto sombrio, pesado, parecia chorar angustiada. Uma imensa torre onde havia um relógio que marcava seis horas e os ponteiros giravam ao contrário.
Encontrei diante de mim uma rosa. Jamais tinha visto uma assim. Olhar para ela me causava dor e angústia, como tudo ali. Era a Morte. Achei que estivesse seca e morta, mas ao tocá-la percebi que não. Tentei arrancá-la, puxei, torci, puxei novamente com as duas mãos, machuquei-as. Os espinhos fizeram cortes profundos que sangravam e ardiam. Ela estava presa e deixei-a.
Vi alguns clarões no céu e em seguida escureceu. Fiquei no escuro, não enxergava nada, não via minhas mãos, não via meu corpo. Comecei a tatear a parede com as mãos doloridas e sangrentas para me guiar e sair dali. Encontrei um interruptor. As luzes acenderam e eu estava agora numa casa, nunca estive ali, mas me pareceu familiar.
Fiquei parado, tomando conhecimento da casa. Era uma sala de jantar e tinha uma grande mesa de madeira. Percebi que era observado por uma garota, uma menininha. Escondida atrás do batente, vi apenas um olho azul e sua pele alva. Ela saiu correndo, subiu a escada. Segui-a. Tinha os cabelos longos, castanhos e usava um vestido com rendas e bordados, e sapatinhos azuis. Entrou na primeira porta. Deduzi que era um pequeno quarto. Continuou e saltou pela janela aberta. Olhei e não a vi. Uma pequena rosa vermelha suavemente planava e dançava no ar até beijar o chão. Permaneci a olhar a rosa que dormia na relva macia. A paisagem era um grande gramado que se perdia no horizonte e se encontrava com o céu alaranjado do entardecer. Havia árvores e flores por toda parte. Era o Amor. A paisagem mais linda que já vi em toda minha vida. Sentia-me bem, leve e feliz. Resolvi descer e caminhar pelo campo.
Ao me virar para sair, deparei-me com meu quarto de quando eu tinha cinco anos. Uma nostalgia me inundou. Vi minha cama desarrumada como sempre deixava. Minha pequena escrivaninha junto à parede, no canto, e alguns papéis e lápis em cima. Nas paredes tinha muitos desenhos colados por toda a parte. Desenho de toda a família: papai, mamãe, irmão, irmã. De meu gato, meus amigos e monstros reais da minha imaginação. No chão havia muitos brinquedos espalhados: lego, carrinhos, soldadinhos, índios e animais. Foi com relutância e olhos cheios d’água que deixei meu quarto. Desci a escada e me guiei à porta.
Estava nevando, todo o gramado e árvores cobertos de neve. Vesti um casaco e cachecol que encontrei no mancebo ao lado da porta, peguei a rosa vermelho-sangue e caminhei pelo campo para qualquer direção onde meu coração me guiasse.
sábado, 12 de julho de 2008
Digressões do Dia Numa Estranha Manhã do Entardecer no Outono da Primavera
por Guilherme Rodrigues
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